O relacionamento entre Ciência e Religião remonta à Antiguidade. Desde o momento em que o homem começou a adquirir conhecimento sobre o que chamamos ‘realidade’, muitas foram as críticas e compatibilizações entre um pensamento que transcende o natural e aquele que o considera seu limite. A ciência é, certamente, o conhecimento mais elaborado que o homem já construiu e tem prevalecido sob outras formas, como aqueles de origem sensorial, espiritual ou mesmo o filosófico. A Religião (entendida como as crenças, práticas e expressões dos principais grupos humanos ao longo da história) aponta para outras fontes de explicação, a saber, deuses e seres espirituais.
As relações que se estabeleceram entre esses dois campos podem ser divididos em três posicionamentos: isolamento, conflito inevitável e compatibilidade. A primeira nos levaria a considerar que Ciência e Religião não disputam sobre nenhuma verdade. Enquanto a ciência teria o propósito de nos informar sobre o mundo natural, teríamos experiências religiosas como fonte de sentido para a atuação de Deus no mundo.
O conflito só seria inevitável, portanto, quando esses posicionamentos se tornam excludentes:
“O conflito é inevitável somente quando adicionamos a esta caracterização de ciência a alegação que as únicas crenças justificáveis sobre o mundo natural são aquelas que surgem da experiência sensorial e do método científico, ou quando adicionamos à caracterização da religião a alegação que nenhuma crença sobre o mundo natural adotada com com base na autoridade religiosa pode ser revisada com base em evidência empírica.” (MURRAY; REA, 2008, p. 195, grifo do autor, tradução nossa)
Muitos acreditam que o conflito entre Ciência e Religião não pode ser solucionado, pois os elementos explicativos da ciência adotam uma metafísica naturalista, enquanto que a essência da religião é acreditar no sobrenatural. Os temas mais complicados seriam, certamente, os milagres e as experiências religiosas, por exemplo, devemos acreditar na medicina ou na cura pela fé?
É evidente que a proposta da compatibilidade depende de uma investigação de que é implicado pela Ciência e pela Religião. Um dos argumentos a favor da compatibilidade é o reconhecimento do falibilismo em Epistemologia, que provocou grande impacto na concepção dos limites e alcance das ciências: o quanto do que sabemos hoje será revisado nos próximos 100 anos?
Paul Draper (2004), um filósofo naturalista, afirma que mesmo uma posição moderada do naturalismo, que não nega o sobrenatural, implica em procurar primeiro por explicações naturais, e não admitiria o uso do sobrenatural para preencher lacunas nas explicações científicas. Há uma presunção em aceitar o naturalismo, pois são as explicações com causas mais prováveis de se encontrar. Alguns pensadores cristãos, entretanto, afirmam que o comprometimento com o naturalismo é anterior à ciência moderna, sendo mais uma tendência não justificável, um comprometimento pré-teórico, do que algo implicado pela atitude científica. Alguns filósofos como Michael Rea, James P. Moreland e William L. Craig comentam que as dificuldades que os cientistas enfrentam em explicar a vida ou a consciência são atualmente insuperáveis e isso poderia levar a considerar hipóteses baseadas no teísmo.
Alvin Plantinga, em seu livro Where the conflict really lies (Onde realmente está o conflito), de 2011, questiona essa compreensão. Já no início do livro informa que seu objetivo é explicar esse suposto conflito. Em seu pensamento, pode-se estabelecer um acordo entre a crença teísta e a ciência, pois o problema seria o naturalismo adotado pelas ciências.
De acordo com esse filósofo, podemos relacionar a crença teísta de que Deus criou o mundo com o caráter empirista da ciência. Já que essa criação é um ato livre, e não uma necessidade, ela é contingente. Sendo contingente, o conhecimento que se pode adquirir do mundo depende de experiência, o que caracteriza o tipo de conhecimento produzido pelo método científico.
“Deus não é obrigado, por sua natureza ou qualquer outra coisa, a criar o mundo; existem diversos mundos possíveis nos quais ele não cria um mundo fora d’Ele mesmo. […] Que ele tenha de fato criado o mundo fora d’Ele mesmo e que o mundo que ele tenha criado displays as caraterísticas particulares e leis que ele displays – essas são questões contingentes.” (PLANTINGA, 2011, p. 301, tradução nossa)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DRAPER, Paul. God, Science, and Naturalism. In: The Oxford Handbook Of Philosophy Of Religion. Oxford: Oxford University Press, 2004 (Oxford Handbooks In Philosophy)
MURRAY, Michael J.; REA, Michael C.. An Introduction to the Philosophy of Religion. New York: Cambridge University Press, 2008. (Cambridge Introductions to Philosophy)
PLANTINGA, Alvin. Where the Conflict Really Lies: Science, Religion, and Naturalism. New York: Oxford University Press, 2011.
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